"Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino"...

sábado, 27 de junho de 2020

Libera os gatilhos


Aí eu abro a janela só pra desopilar,
Mas aquilo que eu penso é difícil aceitar.
O mundo onde eu vivo nunca é igual,
Não importa quanto tempo eu viva aqui, afinal.
Vai ser sempre rico comendo pobre, vai ser pobre comendo lixo.
Enquanto um é tratado como lorde, o outro é tratado feito bicho.

Desisto e volto pra sala,
Mas quase sem crer eu ligo a TV.
Tem lixo que pensa que é mito e eu no sufoco nem acredito.
Tem gente morrendo, tem vírus matando.
Tem outro gritando e um apanhando.
Tem um reclamando e outro apoiando.

Desligo a TV e volto à janela,
Só vejo silêncio, um sopro na tela.
Aí eu me lembro da cara dela,
Da mina, menina, moleca, bonita.
Pedindo: “me beije e abrace,
Só quero mesmo que tudo isso passe”.

E eu digo pra ela:
Libera os gatilhos, deixa fluir
E se precisar põe teu corpo em mim.
Encosta em meu ombro,
Descansa direito
E se precisar dorme em meu peito. 

Aí vou pro quarto e me olho no espelho,
Então o que vejo?
Um rosto, um cabelo, uma barba e um desejo.
Esperando que tudo se acabe,
Que o passado volte trazendo lembranças
Do tempo tão bom de quando eu era criança.

O espelho é o mesmo,
Mas eu mudei tanto,
Só queria um colo pra cair no pranto.
Me torno menino como há um tempo atrás,
Imploro que essas dores acabem de vez
Que tragam de volta nossa sensatez.

Aí eu me lembro daquela menina
Tão linda, sapeca, moleca, bonita.
Pedindo: “agora, vem pra perto de mim,
Eu posso ser seu porto, se você permitir.
Esquece esse mundo que não tem mais jeito.
Vem pra cá descansar, aqui em meu peito”.

E ela diz pra mim:
Libera os gatilhos, deixa fluir
E se precisar põe teu corpo em mim.
Encosta em meu ombro,
Descansa direito
E se precisar dorme em meu peito.

(Janderson Oliveira) 

domingo, 14 de junho de 2020

Devaneios²...

Tento fugir, mas não consigo esquecer dos momentos que passei ao lado do meu homem, ou melhor, do meu menino. Já se passaram vários dias e várias noites sem nada de notícias dele. Tento buscar explicação em pensamentos ilógicos e em bebidas amargas que ardem na minha boca, "pensando bobagens, bebendo besteiras", sem ninguém ao lado para conversar, sem novidades para contar, sem datas para comemorar, sem risos para sorrir.
Já faz quase um ano dessa minha agonia. Ele partiu sem me avisar e nem deixou recados. Desde então eu mudei, vivo sozinha e fico me perguntando sobre os porquês desta vida que é tão cruel. Amores, desencontros, desesperos. Fico aflita comigo mesma, sem saber para onde ir.
E quando eu saio, em todos os rostos ele está, mas quando chego à noite nenhum daqueles rostos está comigo. Aquele rosto de menino eu nunca mais vi, aquele jeito atrapalhado nunca mais me fez sorrir. Sem ter com quem falar, sem ter com quem amar, a noite chega e eu fico encharcada com goles de uma bebida que não reconheço o sabor.
Mas a noite é triste, a solidão sempre me persegue. No rádio rola "você se foi, você partiu, você partiu o meu coração" e não consigo não pensar nele nesse exato momento. A minha boca seca pede o seu sabor, deliro em pensamentos sem lógica. O meu corpo frio espera o seu toque, viajo por lugares nunca antes explorados. Quando volto à realidade, percebo que estou sozinha novamente e a dor da sua perda aumenta ainda mais minha agonia.
Meu coração está em pedaços, o meu corpo também, me sinto velha, feia e sem mais vontade de viver. Vivo porque é meu dever, a ideia do suicídio me aflige, mas a esperança de revê-lo é maior. Garrafas pelo chão, fumaça no ar. Meus alimentos são meus pensamentos, minhas lembranças, lembranças dos tempos bons que vivemos juntos. Mas agora você se foi e eu fico a me perguntar: será que pra sempre?
Antes tudo era comédia, agora, com a sua ausência, a tragédia é algo frequente na minha vida. As lágrimas escorrem pelo rosto nesse instante e delírios acontecem na cabeça de uma amante que perdeu o seu amor. Abandonada e arrasada eu sigo a levar a vida, e o pior, ela segue a me levar. O meu desespero só aumenta a cada dia, sigo minha vida sem razão e sem prazer. Os dias passam, as angústias ficam.
Foi um sonho bom que eu não consegui tornar realidade, foi um livro interessante que eu não pude terminar de ler, foi um vento frio que soprou e eu não me deixei levar. Como tudo e todos nesta vida, eu deixei ele passar, mesmo sem ter sido apenas um passatempo para mim. A única coisa que eu quero nessa vida é poder beijá-lo novamente.
Me pego a imaginar como os mesmos acontecimentos podem marcar para sempre a vida de uma pessoa e serem totalmente insignificantes para outra. Quando o excepcional se torna tão banal, perde-se toda a graça. Mas a sua excepcionalidade se foi sem dar notícias, fiquei apenas com minha pobre banalidade. Fiquei na sarjeta, sem sonho, sem paz, sem harmonia, sem fé, sem força, sem ele, com agonia.
Mulheres cultas e sérias como eu não deveriam escrever esse tipo de coisa, desprezando-se, humilhando-se, mas fazer o quê, este é meu carma, minha vassalagem, minha escravidão emocional, ter que estar sempre lembrando alguém que nunca mais voltará.
E para aqueles que não me conhecem e não entendem os meus vãos motivos de choramingar por um homem, muito prazer, meu nome é Sara! Curada no nome, ferida no coração. Uma princesa sem seu príncipe, uma amante sem seu amor...

Por Sara Fernandes

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Vamos de mãos dadas?


Sou um exímio observador dessa gente que ronda por aí nesse momento. Abro a janela e consigo observá-los, que bom que agora eles podem andar de mãos dadas! Eles seguem como antes, cada um com sua função, cada qual com seu lamento, parecem até formiguinhas. Enquanto as operárias constroem, as rainhas vão lá e destroem, pelo visto nada mudou. Seguimos todos na mesma nave que já se decompõe, quem terá coragem de salvá-la? Se os passageiros se unirem e deixarem de se ferir, o resto da viagem será segura e a nave terá sua cura. Tudo aquilo acabou e agora eu estou aqui com um sorriso no rosto e de braços abertos, acreditando que ainda temos chance, pronto para acolher quantos seres humanos eu for capaz de cativar. Fechei a janela, vou lá descer para vê-los mais de perto, vamos de mãos dadas?

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Pra quem gosta de música...


“Se o artista conhece o folclore da cultura dele,
toca as músicas com paixão.”
(Wynton Marsalis)

E, apesar dessa citação ser de um músico estrangeiro, posso afirmar que não preciso tanto daquelas músicas que vêm de fora, as da minha terra já me satisfazem, as do meu país Nordeste, então? Essas talvez sejam as melhores músicas de todas. A música feita no meu país, no meu terreiro, já me envolve por completo e cada vez que eu me aprofundo mais nela, eu fico ainda mais fascinado. A música me salva, ela é a minha religião.
Sempre viajei em letras, em histórias contadas, em palavras bem escritas, era isso que me fascinava desde cedo, que me digam aquele cara que “usava óculos escuros e previa que a Terra iria parar” ou aquele outro que falava do “tal João de Santo Cristo” ou ainda aquele que exaltava a “festa da música tupiniquim”.
Durante muitos anos eles estão comigo, parece até que alguns já são amigos íntimos. E tudo começou ainda na infância, quando me trancava a tarde toda num quarto e lá estavam tantos e tantos discos que me fizeram formar essa base musical sólida.
“O dia em que a Terra parou”, “Que país é este?”, “Por onde andará Stephen Fry?”, “Quebra-cabeça”, “Da lama ao caos”, “O Grande Encontro”, “Acervo Especial Engenheiros do Hawaii”, “Cássia Eller Acústico”, “Titãs Acústico”, “Djavan Ao Vivo” são exemplos de discos que hoje eu sei que fazem parte da nossa rica música brasileira e me orgulho de já ouvi-los desde pequeno. São os meus velhos heróis de guerra, mas uma guerra sempre boa, uma guerra sempre do bem.
Tudo meu, ainda hoje, é muito musical. Eu escuto música, eu faço música, eu vivo música. Eu crio pensando música, eu escrevo pensando música, eu faço associações pensando música. E ultimamente isso está cada vez mais aflorado.
Lá estão eles, como sempre presos na parede, mas também presos nos meus ouvidos e até mesmo no meu coração. Na parede eu os exponho como uma forma de beleza, nos ouvidos embelezam através das ondas sonoras que invadem e chegam ao meu coração. Com o tempo tentei fazer do meu próprio jeito, mas nunca fui tão bom nisso, sempre fui apenas um eterno admirador e viciado por essa arte, nunca um grande executor dela.
Só depois de muito tempo que comecei a perceber além das histórias e passei a me encantar também por arranjos, por preenchimentos, por sons que sempre estiveram ali e eu nunca percebia. Essa nova "visão" da música veio, claro, por causa da paixão que surgiu pela percussão. AH, A PERCUSSÃO! Foram esses mais barulhentos que fizeram eu entender melhor como funciona todo o processo de criação, pois os graúdos de cordas sem àqueles miúdos não são muita coisa. 

“Antes dos mouros o som
O som de tudo que passou por lá
O som de tudo que passou aqui
O som que vem quem viver verá”
(Antes dos Mouros – Cordel do Fogo Encantado)

É através do estudo da percussão que a gente faz uma regressão e vê que tudo começou com o toque do tambor. AH, O TAMBOR! O pop, o rock, o blues, o funk, o rap, o forró, todos são filhos da batida do tambor. E foi através dele que eu voltei aos nossos ancestrais, às nossas origens.
A gente começa ouvindo as músicas pop, as bandas de rock e vai começando a gostar disso tudo. Depois vai amadurecendo e percorrendo os grandes nomes da MPB e vai tendo noção do processo. Mas é só quando você volta aos cantos e toques dos povos primitivos que você realmente entende tudo e descobre que a magia toda começa lá.
Aí eu retorno para a citação lá de cima, só quando me aproprio do meu folclore que passo a me sentir mais pertencente às culturas primitivas que me formaram, através disso que toco as músicas com muito mais paixão.
Quem me vê tocando um tambor sabe do que eu estou falando. Eu realmente saio desse plano físico, eu transcendo e com certeza consigo fazer uma ligação entre o couro do tambor e alguma coisa além disso tudo aqui. É tudo muito lindo, encantador, emocionante.
Provavelmente eu entro em sintonia com Deus quando estou a apreciar o som de todos os instrumentos juntos, viajando em letras e em histórias contadas e cantadas. E se me perguntam se eu realmente creio em Deus? Não sei, mas talvez Ele esteja em pleno desfile de carnaval, em um sábado de chuva, pulsando através do couro de um tambor que reverbera bem no meio do coração de um batuqueiro. Afinal, Ele está onde a gente quiser...

Desfile de Carnaval do Maracatu Solar (Sábado – 22/02/2020)
Foto de Aurélio Alves (Instagram: @_aurelioalves). Jornal O Povo.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Fortaleza do Maracatu


Ilustração de Luana Florentino (Instagram: @luanaflorentinoc)

Chegaram todos à Pindorama,
Terra rica de tantos seres.
Juntaram-se com novos povos
Num amálgama de saberes.

No princípio foram cativos,
Mas não esqueceram seus antepassados.
Por isso seguiram vivos,
Revivendo o seu passado.

Do adro do Rosário nasceu a beleza.
Do toque dos tambores fez vibrar a natureza.
Do rei e da rainha a nossa realeza.
Do canto dos cantores veio a fortaleza.

Fortaleza do maracatu,
Eu sempre vou voltar pra tu.

Oh, Az de Ouro,
Eu vou voltar pra tu.
Ancestral e transcendental,
Esse é meu maracatu.

Com a Boca Aberta
E o coração também,
Eu vou te revivendo
Nesse batuque que me convém.

Sim, o maracatu venceu!
Deixou o preconceito de lado,
No tempo e no espaço
Ele se fortaleceu.

Hoje eu canto suas histórias,
Hoje eu resgato meus antepassados,
Hoje eu invento novas memórias,
Mas nunca esquecendo do meu passado.

(Janderson Oliveira)

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Reflexões sobre o antes, o agora e o depois...


Retiro o que eu disse. Não, não é verdade, eu até já me desanimei. Pensava que voltaríamos melhores depois disso tudo, mas talvez voltemos é piores. Desde criança sabemos que existe uma lista de animais em extinção, talvez os próximos seremos nós mesmos. E a culpa da nossa extinção será nossa, acredita?
São tantos exemplos de desumanidade nesses tempos de pandemia, começando pelo canalha do nosso presidente, que nos faz ter a certeza de que as coisas não irão melhorar. É só olhar para trás, quantas pandemias já tivemos? A última faz pouco mais de um século, mas a história só mostra o estado onde nós chegamos depois dela. Ninguém melhorou por ter sofrido em pandemias, pelo contrário, só o que tem é gente lucrando com isso. Somos seres consumidos pelo egoísmo e consumidores do capitalismo, não temos mais para onde fugir.
Mas olhando novamente para o retrovisor da história, se pensarmos em experiências “comunistas” pelo mundo, veremos que elas não deram muito certo também. Seja a URSS de Stalin, a China de Mao Tsé, a Cuba de Fidel, a Venezuela de Chávez, a Coreia do Norte de Kim Jong-un ou até mesmo o Brasil de Lula, quase todas foram experiências extremistas, tirando o Brasil, os seus governantes viraram ditadores. O conceito, a teoria, a ideologia pregados pelo comunismo/socialismo/marxismo/leninismo era uma coisa e os caras distorceram tudo na prática.
A única certeza em meio a isso tudo é que esse governo atual do Brasil é o pior que eu já vivi nos meus pouco mais de 30 anos. Um presidente totalmente despreparado e sem noção, o pior é que todo mundo já sabia disso e mesmo assim ele chegou onde queria. Pior ainda é ter tanta gente que segue apoiando as loucuras dele, caminhando lado a lado com o extremismo de direita, beirando ao fascismo. Eu usei muitas vezes a palavra "pior" nesse parágrafo, então é porque a coisa tá ruim mesmo.
No final é tudo política e o povo que se exploda. Chego ao consenso que direita e esquerda não nos levam a lugar nenhum. Putz, o centrão chega a ser ainda pior! (Risos). Já diria Djonga: “esquerda de lá, direita de cá e o povo segue firme tomando no centro”.
O problema todo é social e econômico, uns têm demais e outros têm de menos. Não temos saúde, segurança e educação de qualidade para todos, apenas para aqueles que conseguem pagar. No entanto, é difícil ter uma solução para resolver isso agora, o máximo que podemos ter são paliativos para fingir soluções. O problema todo está é lá no início da história, onde tudo já começou desigual, umas famílias ricas demais e outras sendo escravizadas. Não tinha como isso dar certo no final e talvez esse final seja agora, nesses tempos em que estamos vivendo.
Ou talvez possamos reaprender com as sociedades primitivas e tentar nos dar uma sobrevida diante de tantos males. Há muito tempo esses povos sabem que a mãe Terra clama por socorro, eles sabem que ela reclama dessa nossa exploração desenfreada pela matéria prima. Tanto que a coisa mais essencial hoje em dia não é nem mais a política e nem a economia, mas o meio ambiente. Deveríamos parar e ouvir o que essas sociedades primitivas têm para nos dizer, os nossos índios já habitavam isso aqui bem antes de todos nós, precisamos sentar e assistir às suas aulas. Falando nisso, vale a pena essa aula do líder indígena Ailton Krenak: “fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade e nos alienamos desse organismo de que somos parte, a Terra, passando a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo que exista algo que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”.
A história da humanidade é feita de ciclos e renovações, desde a Antiguidade, passando pelo período da Idade Média, depois as Grandes Navegações, o Renascimento e a Revolução Industrial até chegarmos aos tempos atuais onde reinam o capitalismo e a globalização. Estamos na história, fazendo parte dela e as coisas que vemos não são das melhores. Apesar desse tempo ser riquíssimo em termos de ciência e tecnologia, ainda assim estamos passando pelas piores crises sanitária, econômica e ambiental. Um dia esse ciclo se acaba, renovações surgem e talvez até a nossa espécie melhore, mas é uma pena que não estaremos mais aqui para ver.
Esquece tudo o que eu disse, eu sou bem contraditório mesmo. De noite eu sou bem inventivo, de dia eu já não gosto de quase nada do que eu inventei.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Um lunático na janela...


Um lunático.
Um lunático na janela.
Um lunático na janela esperando.
Um lunático na janela esperando alguma coisa.
Um lunático na janela esperando alguma coisa cair do céu.
Caiu, choveu, molhou! Como eu previa, começou a chover e a ventar forte. Ela está aqui bem pertinho de mim, iluminada por uma luz artificial de poste, ela não cai reta, cai em diagonal, com um vento vindo do leste e com a força de quem inundará muitos lugares.
Eu realmente sou um lunático ao observar tão de perto essas coisas, mas um lunático sem lua. Infelizmente hoje ela não apareceu, têm nuvens escuras demais cobrindo todo o céu da minha cidade. Não sei se ela já nasceu ao leste, se está se pondo a oeste ou se está bem em cima de mim no zênite. Ah, não sei, fica para outra ocasião a sua observação, no momento eu observo a chuva.
Os céus são incríveis, nos privam de uma deusa, mas nos mandam uma princesa. A chuva me faz refletir, me deixa mais abobalhado do que eu já sou, ainda mais nesses dias de isolamento. Sei lá, parece tudo tão irreal e ilusório. Quando a gente vai sair disso aqui? Parecemos moscas perambulando de lá pra cá dentro da nossa própria casa, dentro de nós mesmos. E o que a gente faz com as moscas?
Junto com a chuva vem o frio e junto com o frio vem a vontade de chorar, mesmo sem ter nenhum motivo aparente para isso, chorar mesmo só por causa da condição humana. Ah, esquece! Vocês ainda não estão preparados para isso. São apenas as vãs filosofias, os textos não lidos e os gritos no silêncio de um lunático, e o pior, um lunático na janela vendo a chuva cair...

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Cenas da janela...

Ilustração de Estevão Gomes (Instagram: @colo.rindo_)

“Deitamos no chão, apoiamos os pés na parede e ficamos vendo a chuva cair”.

Quantos dias eu já fiquei na janela vendo o tempo e a vida passar. Se somassem todos esses dias, talvez chegassem a semanas, meses, anos, décadas, séculos e milênios. Pelo menos no meu pensamento eu já fiz tantas viagens e vivi tantas coisas ao olhar pela janela que não caberiam ao longo do tempo e nem do espaço.
Já tiveram janelas que me mostraram diversas paisagens como praças vazias, letras iluminadas, sinos de igrejas, árvores e plantas, serra e rio, lua e estrelas. Já vi animais a vasculhar o lixo procurando comida e, infelizmente, tinham pessoas também.
Atualmente, apesar da janela ser a mesma, todos os dias as cenas são diferentes. Cenas de arranha-céus aos montes, folhas balançando em seu balé aleatório, luzes piscando em outras janelas, transeuntes vagando sem rumo, relâmpagos a iluminar e raios a riscar o céu, nuvens formando seus desenhos imaginários e estrelas tiritando ao redor da formosa lua.
Da janela consigo enxergar inclusive os mais diversos sons. São o galo acordando ainda na madrugada, os pássaros cantando ao raiar do dia, os carros transitando no clarão da noite, a sirene incessante da sentinela, as ambulâncias passando para salvar gente, os anúncios dos mais variados produtos, o barulho da chuva e dos trovões, as músicas vindo das casas vizinhas e até mesmo os sons naturais de corpos se amando, se é que você me entende.
Mas bom mesmo é olhar nos seus olhos, que são a janela da alma, e poder ver que “as coisas são mais lindas quando você está” e melhor ainda vai ser quando estiver mais vezes ao meu lado a olhar todas essas cenas da janela. O que mais quero é compartilhar essas cenas ao seu lado, deitados no chão, pés apoiados na parede, filosofando sobre a vida, vendo as nuvens a passar, fazendo desenho com as estrelas e com as nuvens, ouvindo a chuva cair e fazendo barulho com os corpos...

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Delirar-te, devorar-te, amar-te










A arte.
Eu quero arte.
Deem-me arte.
Eu preciso dela.
Melhor, eu necessito dela.

Vem.
Entra.
Invade.
Penetra.
Melhor, consome o meu ser.

Sente pelo nariz.
Puxa pelas mãos.
Saboreia pela boca.
Arrasta pelas orelhas.
Hipnotiza pelos olhos.

Aproxima-me do outro.
Leva-me para fora de mim.
Deixa-me sonhar acordado.
Busca-me em meus delírios.
Faz-me invadir outros mundos.

A arte.
Só arte.
Delirar-te.
Devorar-te.
Melhor, amar-te.

(Janderson Oliveira)

domingo, 12 de abril de 2020

Volta, Raimundo


Raimundo, teu filho sumiu!
Ele só queria um abraço,
Mas antes disso tu partiu.
Raimundo, teu filho fugiu!
Enquanto tu foi pra floresta,
Ele correu pra cidade.
Ele ficou chateado
Porque tu se foi com tão pouca idade.

Ele entendeu direito o recado,
Sabia que não poderia mais
Ficar tanto tempo parado.
Por isso decidiu sumir, partir, correr
Com medo de que algo pior
Um dia pudesse vir a acontecer.
Ele descobriu que só tinha uma vida
E quis ao máximo que ela fosse vivida.

Ele correu pelas ruas
E chegou até a praia.
Subiu aquela serra,
Mas quase desmaia.
Nadou naquele rio,
Mas não achou a solução
Para o problema que seria
A sua pior assombração.

Como poderia viver sem você?
Talvez fosse melhor nem sobreviver.
Mas mesmo com tudo isso,
O menino cresceu,
Pôs a perna no mundo
E logo cedo aprendeu:
A felicidade está na outra pessoa
E não andando sozinho por aí à toa.

Volta, Raimundo, teu filho cresceu!
Também deixou cedo o ninho
E conseguiu aquilo que mereceu.
Volta, Raimundo, teu filho sobreviveu!
Apesar de tantas barreiras,
Ele pode afirmar que venceu.
Enfrentou sozinho o mundo
E hoje ele já amadureceu.

Por que não te encontra mais neste mundo?
Onde tu foi parar, ó Raimundo?
Volta que teu menino cresceu,
Ele quer te mostrar o quanto aprendeu.
Nos confins do planeta
Ou no universo em sua imensidão.
Seja lá onde for, ó Raimundo!
Ele só quer te pedir a bênção!
                                                                                                
                                                                                                    (Janderson Oliveira)

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Humano, demasiado humano²...


“O flagelo não está à altura do homem; diz-se então que o flagelo é irreal, que é um sonho mau que vai passar. Mas nem sempre ele passa e, de sonho mau em sonho mau, são os homens que passam, e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram suas precauções. Nossos concidadãos não eram mais culpados que os outros. Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, os deslocamentos e as discussões? Julgavam-se livres, e nunca alguém será livre enquanto houver flagelos.”
 (A peste – Albert Camus)

Existem pessoas que são invisíveis, mas indispensáveis. Têm outras que não fazem o menor esforço para serem imprestáveis e irrelevantes. Eu prefiro me colocar no primeiro grupo, mas com uma característica a mais, eu sou um exímio observador.
Apesar de ser invisível perante uma grande parcela da população, me sinto indispensável no que diz respeito à profissão que exerço e à arte que exprimo. Mas além disso, me sinto um exímio observador que de fora assiste a toda essa gente que ronda por aí. Quem gostar e entender dessas questões de escolas filosóficas que lute para me aprender e me encaixar em alguma delas.
Não sei se seria cínico ao ponto de abandonar tudo para viver num barril ou talvez um epicurista que só busca o bel-prazer e elimina qualquer vestígio de dor. Quem sabe eu seja um estoico e acredite que na verdade eu sou uma pecinha habitando nesse universo e ao mesmo tempo tenho todo esse universo habitando em mim ou até mesmo eu seja um romântico que apenas aproveita a vida em seus devaneios e vãs filosofias. Talvez eu seja um humanista que crê que tudo só dará certo se nossa espécie humana for capaz de conseguir superar todos os problemas, ou melhor, posso ser um existencialista, sentado numa mesa de café, lendo o meu jornal do dia e apenas filosofando sobre a existência e a condição sombrias de nós seres humanos. No fim eu não sei o que sou, prefiro ficar com aquele filósofo mais famoso que dizia: “Só sei que nada sei!”.
Só sei que continuo sendo humano demais, divino de menos. Humano, demasiado humano. Um humano que observa de fora todos os outros perambularem com os seus constantes desejos instantâneos e com os seus medos momentâneos.

“Todos os dias nascem deuses,
Alguns maiores e outros menores do que você.”
(No Olimpo – Nação Zumbi)

Falando em medos e deuses, vale refletir um pouco sobre o medo da vez, esse medo nem um pouco momentâneo. Pelo visto, infelizmente, ele ainda vai se estender por um bom tempo entre nós.
É incrível como nós seres humanos, seres vivos tão complexos e com tantos anos de história nas costas, ainda temos que lidar com algo que era para ser tão insignificante. Como é que com todo o conhecimento que a gente já adquiriu durante tanto tempo, ainda não fomos capazes de vencer um mísero vírus? Um ser que nem metabolismo tem e cuja função é só se replicar dentro das células de um outro ser. Já fazem quatro ou cinco meses que começou toda essa história e ainda estamos perdendo tantas vidas por causa disso.
Mas é bem verdade que eles estão no planeta bem antes da gente e como falei: eles só servem para se replicarem e na maioria das vezes causarem danos. No entanto, quanto mais danos eles causam, menos eles sobrevivem, pois não vão ter onde se replicarem. Esperto é o vírus do herpes 1, pois esse tipo de vírus vive dentro da gente, não causa quase nenhum mal e ainda sobrevive há séculos dentro dos humanos.
E ainda tem gente que diz que isso é praga dos deuses, como aquelas pragas que tiveram lá no Egito Antigo. Pior ainda é quem afirma que orando e fazendo jejum seremos capazes de combatê-los. Sou cético demais para acreditar que deuses seriam capazes de enviar tantos males para nós seres humanos, não sei nem se acredito em deuses, avalie em pragas enviadas por eles.
Aliás, muito disso é causado nada mais, nada menos do que por nós mesmos. Afinal, foi devido a condições precárias dos wet markets da China (que por incrível que pareça são operados por humanos, sabia?) que o vírus se espalhou dos animais silvestres para nós. Era algo já previsto por cientistas, mas teimosos como somos, não acreditamos que uma pandemia dessas fosse capaz de acontecer em tempos tão modernos. “Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis”.    
Na verdade, eu não tenho medo e nem me preocupo tanto assim com a possibilidade de ser contaminado pelo vírus da vez. No entanto, tenho plena consciência da letalidade que ele pode causar e procuro seguir os cuidados propostos pelas autoridades que nos passam credibilidade. Isso tudo me faz é pensar, refletir e filosofar mais sobre a condição pela qual estamos passando do que pensar nos possíveis riscos ocasionados pelo vírus.
Já passei horas na janela olhando para o mundo, ouvindo o silêncio das noites e cada vez mais o silêncio do dia também e sempre me pego filosofando sobre essa condição de prisioneiros que estamos de nós mesmos. E só consigo pensar no futuro, como seremos depois de tudo isso? Esse momento atual é passageiro e necessário, mas quero é descobrir como será o mundo depois disso tudo, torcendo demasiadamente para que meus semelhantes se renovem depois de toda essa tormenta e saiam melhores dela, torcendo com todas as forças para que nós sejamos mais conscientes de nós mesmos como espécie humana que habita esse planeta.
Apenas pense que nesse exato momento em que você me lê, provavelmente estará em sua casa segura, mas pense também em tantos outros seres humanos que estão por aí ao léu. Só reflita e busque ser uma pessoa melhor quando tudo isso acabar. Porque isso vai acabar, tudo isso uma hora vai passar e eu estarei aqui com um sorriso no rosto e de braços abertos, pronto para acolher quantos seres humanos eu for capaz de cativar. 
Para finalizar, não sei, talvez eu seja um herói insignificante e improvável de um livro de Camus que segue escrevendo para ninguém ler, um herói insignificante e improvável, mas imprescindível. Ou quem sabe eu siga sendo apenas humano, demasiado humano, um cidadão comum, como aquele da música do Belchior, e que só está querendo sobreviver a mais uma peste...

“Mas o anjo do Senhor, de quem nos fala o Livro Santo
Desceu do céu pra uma cerveja, junto dele, no seu canto
E a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto.
[...]
Que a terra lhe seja leve.”
(Pequeno perfil de um cidadão comum – Belchior)