"Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino"...

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Mate-me...

Mate-me, sentado à beira do mar, com fone alto aos ouvidos e brisa fria a bater em meu corpo, observando a minha mais bela paisagem: os verdes mares do meu querido Ceará. Mate-me, mas mate-me de verdade, para que não tenham chances de eu voltar e estragar tudo de novo. Mate-me, de um jeito que minha cabeça ainda possa ver meu corpo uma última vez ao cair, mas com um golpe rápido, seco e cruel, sem tempo para reagir, sem sentimentos para sentir, sem saber qual foi o último pensamento que raciocinei. Mate-me, numa noite nublada e triste de carnaval, em meio ao relento, sem testemunhas para me ver, sem lágrimas a cair, sem confetes para colorir, sem coveiros para me enterrar. Mate-me, deixe o mar me engolir, os peixes fazerem um banquete de mim e no outro dia o sol ressecar o que sobrou de pele, o que sobrou de couro, o que sobrou de meu ser, apenas mate-me...

domingo, 20 de fevereiro de 2022

Agora é para sempre...

 

“Reverbera
No baque virado do maracatu
A força e energia dos nossos tambores
É mais uma estrela na noite azul”
(Reverbera - Gabriel Vasconcelos / Filipe Adan)
 
Agora é para sempre, até durar a força bruta da minha pele que bate no couro firme do meu tambor. Carne, couro, pele. Morre, nasce, ressuscita. Segue batendo, batendo, batendo e o som reverberando no baque pesado do meu maracatu, enquanto o desenho vai permanecendo firme no risco fino em minha pele.
Agora é para sempre, mais um ano completo e que não vejo a hora de encontrar minha alfaia e tocá-la com toda diversão, satisfação e emoção que ela me proporciona. Baquetas, madeira, couro. Ritmos, baques, sons. Ressoa, deixa fluir, encontra outros tambores, faz uma festa no meio do terreiro, celebra com alegria a vida de todos nós e dos nossos antepassados.
Agora é para sempre, levarei o que há de mais ancestral em mim riscado em meu couro, me lembrando que transcendo quando toco Ngoma, meu pai tambor. Caixa, alfaia, bumbo. Ferro, agogô, xequerê. Levarei o meu batuque até que cheguem meus últimos dias e meu som siga ressoando universo afora, na minha mente adentro...
 
“E anunciou que a criação não iria parar, que viessem crianças, mulheres e homens para escutar o Ngoma cantar, dançar e alegrar a vida. É por isso que os bacongos dizem que Ngoma, o tambor, será o pai de todos os que transgridam a dor em desafios de festa e liberdade. Sua benção, Ngoma, nosso pai tambor! Nós estamos no mundo para celebrá-lo!”
(Tambor, o Senhor da Alegria – Luiz Antônio Simas)