"Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino"...

terça-feira, 28 de abril de 2020

Um lunático na janela...


Um lunático.
Um lunático na janela.
Um lunático na janela esperando.
Um lunático na janela esperando alguma coisa.
Um lunático na janela esperando alguma coisa cair do céu.
Caiu, choveu, molhou! Como eu previa, começou a chover e a ventar forte. Ela está aqui bem pertinho de mim, iluminada por uma luz artificial de poste, ela não cai reta, cai em diagonal, com um vento vindo do leste e com a força de quem inundará muitos lugares.
Eu realmente sou um lunático ao observar tão de perto essas coisas, mas um lunático sem lua. Infelizmente hoje ela não apareceu, têm nuvens escuras demais cobrindo todo o céu da minha cidade. Não sei se ela já nasceu ao leste, se está se pondo a oeste ou se está bem em cima de mim no zênite. Ah, não sei, fica para outra ocasião a sua observação, no momento eu observo a chuva.
Os céus são incríveis, nos privam de uma deusa, mas nos mandam uma princesa. A chuva me faz refletir, me deixa mais abobalhado do que eu já sou, ainda mais nesses dias de isolamento. Sei lá, parece tudo tão irreal e ilusório. Quando a gente vai sair disso aqui? Parecemos moscas perambulando de lá pra cá dentro da nossa própria casa, dentro de nós mesmos. E o que a gente faz com as moscas?
Junto com a chuva vem o frio e junto com o frio vem a vontade de chorar, mesmo sem ter nenhum motivo aparente para isso, chorar mesmo só por causa da condição humana. Ah, esquece! Vocês ainda não estão preparados para isso. São apenas as vãs filosofias, os textos não lidos e os gritos no silêncio de um lunático, e o pior, um lunático na janela vendo a chuva cair...

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Cenas da janela...

Ilustração de Estevão Gomes (Instagram: @colo.rindo_)

“Deitamos no chão, apoiamos os pés na parede e ficamos vendo a chuva cair”.

Quantos dias eu já fiquei na janela vendo o tempo e a vida passar. Se somassem todos esses dias, talvez chegassem a semanas, meses, anos, décadas, séculos e milênios. Pelo menos no meu pensamento eu já fiz tantas viagens e vivi tantas coisas ao olhar pela janela que não caberiam ao longo do tempo e nem do espaço.
Já tiveram janelas que me mostraram diversas paisagens como praças vazias, letras iluminadas, sinos de igrejas, árvores e plantas, serra e rio, lua e estrelas. Já vi animais a vasculhar o lixo procurando comida e, infelizmente, tinham pessoas também.
Atualmente, apesar da janela ser a mesma, todos os dias as cenas são diferentes. Cenas de arranha-céus aos montes, folhas balançando em seu balé aleatório, luzes piscando em outras janelas, transeuntes vagando sem rumo, relâmpagos a iluminar e raios a riscar o céu, nuvens formando seus desenhos imaginários e estrelas tiritando ao redor da formosa lua.
Da janela consigo enxergar inclusive os mais diversos sons. São o galo acordando ainda na madrugada, os pássaros cantando ao raiar do dia, os carros transitando no clarão da noite, a sirene incessante da sentinela, as ambulâncias passando para salvar gente, os anúncios dos mais variados produtos, o barulho da chuva e dos trovões, as músicas vindo das casas vizinhas e até mesmo os sons naturais de corpos se amando, se é que você me entende.
Mas bom mesmo é olhar nos seus olhos, que são a janela da alma, e poder ver que “as coisas são mais lindas quando você está” e melhor ainda vai ser quando estiver mais vezes ao meu lado a olhar todas essas cenas da janela. O que mais quero é compartilhar essas cenas ao seu lado, deitados no chão, pés apoiados na parede, filosofando sobre a vida, vendo as nuvens a passar, fazendo desenho com as estrelas e com as nuvens, ouvindo a chuva cair e fazendo barulho com os corpos...

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Delirar-te, devorar-te, amar-te










A arte.
Eu quero arte.
Deem-me arte.
Eu preciso dela.
Melhor, eu necessito dela.

Vem.
Entra.
Invade.
Penetra.
Melhor, consome o meu ser.

Sente pelo nariz.
Puxa pelas mãos.
Saboreia pela boca.
Arrasta pelas orelhas.
Hipnotiza pelos olhos.

Aproxima-me do outro.
Leva-me para fora de mim.
Deixa-me sonhar acordado.
Busca-me em meus delírios.
Faz-me invadir outros mundos.

A arte.
Só arte.
Delirar-te.
Devorar-te.
Melhor, amar-te.

(Janderson Oliveira)

domingo, 12 de abril de 2020

Volta, Raimundo


Raimundo, teu filho sumiu!
Ele só queria um abraço,
Mas antes disso tu partiu.
Raimundo, teu filho fugiu!
Enquanto tu foi pra floresta,
Ele correu pra cidade.
Ele ficou chateado
Porque tu se foi com tão pouca idade.

Ele entendeu direito o recado,
Sabia que não poderia mais
Ficar tanto tempo parado.
Por isso decidiu sumir, partir, correr
Com medo de que algo pior
Um dia pudesse vir a acontecer.
Ele descobriu que só tinha uma vida
E quis ao máximo que ela fosse vivida.

Ele correu pelas ruas
E chegou até a praia.
Subiu aquela serra,
Mas quase desmaia.
Nadou naquele rio,
Mas não achou a solução
Para o problema que seria
A sua pior assombração.

Como poderia viver sem você?
Talvez fosse melhor nem sobreviver.
Mas mesmo com tudo isso,
O menino cresceu,
Pôs a perna no mundo
E logo cedo aprendeu:
A felicidade está na outra pessoa
E não andando sozinho por aí à toa.

Volta, Raimundo, teu filho cresceu!
Também deixou cedo o ninho
E conseguiu aquilo que mereceu.
Volta, Raimundo, teu filho sobreviveu!
Apesar de tantas barreiras,
Ele pode afirmar que venceu.
Enfrentou sozinho o mundo
E hoje ele já amadureceu.

Por que não te encontra mais neste mundo?
Onde tu foi parar, ó Raimundo?
Volta que teu menino cresceu,
Ele quer te mostrar o quanto aprendeu.
Nos confins do planeta
Ou no universo em sua imensidão.
Seja lá onde for, ó Raimundo!
Ele só quer te pedir a bênção!
                                                                                                
                                                                                                    (Janderson Oliveira)

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Humano, demasiado humano²...


“O flagelo não está à altura do homem; diz-se então que o flagelo é irreal, que é um sonho mau que vai passar. Mas nem sempre ele passa e, de sonho mau em sonho mau, são os homens que passam, e os humanistas em primeiro lugar, pois não tomaram suas precauções. Nossos concidadãos não eram mais culpados que os outros. Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, os deslocamentos e as discussões? Julgavam-se livres, e nunca alguém será livre enquanto houver flagelos.”
 (A peste – Albert Camus)

Existem pessoas que são invisíveis, mas indispensáveis. Têm outras que não fazem o menor esforço para serem imprestáveis e irrelevantes. Eu prefiro me colocar no primeiro grupo, mas com uma característica a mais, eu sou um exímio observador.
Apesar de ser invisível perante uma grande parcela da população, me sinto indispensável no que diz respeito à profissão que exerço e à arte que exprimo. Mas além disso, me sinto um exímio observador que de fora assiste a toda essa gente que ronda por aí. Quem gostar e entender dessas questões de escolas filosóficas que lute para me aprender e me encaixar em alguma delas.
Não sei se seria cínico ao ponto de abandonar tudo para viver num barril ou talvez um epicurista que só busca o bel-prazer e elimina qualquer vestígio de dor. Quem sabe eu seja um estoico e acredite que na verdade eu sou uma pecinha habitando nesse universo e ao mesmo tempo tenho todo esse universo habitando em mim ou até mesmo eu seja um romântico que apenas aproveita a vida em seus devaneios e vãs filosofias. Talvez eu seja um humanista que crê que tudo só dará certo se nossa espécie humana for capaz de conseguir superar todos os problemas, ou melhor, posso ser um existencialista, sentado numa mesa de café, lendo o meu jornal do dia e apenas filosofando sobre a existência e a condição sombrias de nós seres humanos. No fim eu não sei o que sou, prefiro ficar com aquele filósofo mais famoso que dizia: “Só sei que nada sei!”.
Só sei que continuo sendo humano demais, divino de menos. Humano, demasiado humano. Um humano que observa de fora todos os outros perambularem com os seus constantes desejos instantâneos e com os seus medos momentâneos.

“Todos os dias nascem deuses,
Alguns maiores e outros menores do que você.”
(No Olimpo – Nação Zumbi)

Falando em medos e deuses, vale refletir um pouco sobre o medo da vez, esse medo nem um pouco momentâneo. Pelo visto, infelizmente, ele ainda vai se estender por um bom tempo entre nós.
É incrível como nós seres humanos, seres vivos tão complexos e com tantos anos de história nas costas, ainda temos que lidar com algo que era para ser tão insignificante. Como é que com todo o conhecimento que a gente já adquiriu durante tanto tempo, ainda não fomos capazes de vencer um mísero vírus? Um ser que nem metabolismo tem e cuja função é só se replicar dentro das células de um outro ser. Já fazem quatro ou cinco meses que começou toda essa história e ainda estamos perdendo tantas vidas por causa disso.
Mas é bem verdade que eles estão no planeta bem antes da gente e como falei: eles só servem para se replicarem e na maioria das vezes causarem danos. No entanto, quanto mais danos eles causam, menos eles sobrevivem, pois não vão ter onde se replicarem. Esperto é o vírus do herpes 1, pois esse tipo de vírus vive dentro da gente, não causa quase nenhum mal e ainda sobrevive há séculos dentro dos humanos.
E ainda tem gente que diz que isso é praga dos deuses, como aquelas pragas que tiveram lá no Egito Antigo. Pior ainda é quem afirma que orando e fazendo jejum seremos capazes de combatê-los. Sou cético demais para acreditar que deuses seriam capazes de enviar tantos males para nós seres humanos, não sei nem se acredito em deuses, avalie em pragas enviadas por eles.
Aliás, muito disso é causado nada mais, nada menos do que por nós mesmos. Afinal, foi devido a condições precárias dos wet markets da China (que por incrível que pareça são operados por humanos, sabia?) que o vírus se espalhou dos animais silvestres para nós. Era algo já previsto por cientistas, mas teimosos como somos, não acreditamos que uma pandemia dessas fosse capaz de acontecer em tempos tão modernos. “Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis”.    
Na verdade, eu não tenho medo e nem me preocupo tanto assim com a possibilidade de ser contaminado pelo vírus da vez. No entanto, tenho plena consciência da letalidade que ele pode causar e procuro seguir os cuidados propostos pelas autoridades que nos passam credibilidade. Isso tudo me faz é pensar, refletir e filosofar mais sobre a condição pela qual estamos passando do que pensar nos possíveis riscos ocasionados pelo vírus.
Já passei horas na janela olhando para o mundo, ouvindo o silêncio das noites e cada vez mais o silêncio do dia também e sempre me pego filosofando sobre essa condição de prisioneiros que estamos de nós mesmos. E só consigo pensar no futuro, como seremos depois de tudo isso? Esse momento atual é passageiro e necessário, mas quero é descobrir como será o mundo depois disso tudo, torcendo demasiadamente para que meus semelhantes se renovem depois de toda essa tormenta e saiam melhores dela, torcendo com todas as forças para que nós sejamos mais conscientes de nós mesmos como espécie humana que habita esse planeta.
Apenas pense que nesse exato momento em que você me lê, provavelmente estará em sua casa segura, mas pense também em tantos outros seres humanos que estão por aí ao léu. Só reflita e busque ser uma pessoa melhor quando tudo isso acabar. Porque isso vai acabar, tudo isso uma hora vai passar e eu estarei aqui com um sorriso no rosto e de braços abertos, pronto para acolher quantos seres humanos eu for capaz de cativar. 
Para finalizar, não sei, talvez eu seja um herói insignificante e improvável de um livro de Camus que segue escrevendo para ninguém ler, um herói insignificante e improvável, mas imprescindível. Ou quem sabe eu siga sendo apenas humano, demasiado humano, um cidadão comum, como aquele da música do Belchior, e que só está querendo sobreviver a mais uma peste...

“Mas o anjo do Senhor, de quem nos fala o Livro Santo
Desceu do céu pra uma cerveja, junto dele, no seu canto
E a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto.
[...]
Que a terra lhe seja leve.”
(Pequeno perfil de um cidadão comum – Belchior)