“Se o artista conhece o
folclore da cultura dele,
toca as músicas com
paixão.”
(Wynton Marsalis)
E, apesar dessa citação ser de um
músico estrangeiro, posso afirmar que não preciso tanto daquelas músicas que
vêm de fora, as da minha terra já me satisfazem, as do meu país Nordeste,
então? Essas talvez sejam as melhores músicas de todas. A música feita no meu
país, no meu terreiro, já me envolve por completo e cada vez que eu me
aprofundo mais nela, eu fico ainda mais fascinado. A música me salva, ela é a
minha religião.
Sempre viajei em letras, em
histórias contadas, em palavras bem escritas, era isso que me fascinava desde
cedo, que me digam aquele cara que “usava óculos escuros e previa que a Terra
iria parar” ou aquele outro que falava do “tal João de Santo Cristo” ou ainda
aquele que exaltava a “festa da música tupiniquim”.
Durante muitos anos eles estão
comigo, parece até que alguns já são amigos íntimos. E tudo começou ainda na
infância, quando me trancava a tarde toda num quarto e lá estavam tantos e
tantos discos que me fizeram formar essa base musical sólida.
“O dia em que a Terra parou”, “Que país é este?”, “Por onde andará Stephen Fry?”, “Quebra-cabeça”, “Da lama ao caos”, “O Grande Encontro”, “Acervo Especial Engenheiros do Hawaii”, “Cássia Eller Acústico”, “Titãs Acústico”, “Djavan Ao Vivo” são exemplos de discos que hoje eu sei que fazem parte da nossa rica música brasileira e me orgulho de já ouvi-los desde pequeno. São os meus velhos heróis de guerra, mas uma guerra sempre boa, uma guerra sempre do bem.
Tudo meu, ainda hoje, é muito musical. Eu escuto música, eu faço música, eu vivo música. Eu crio pensando música, eu escrevo pensando música, eu faço associações pensando música. E ultimamente isso está cada vez mais aflorado.
Lá estão eles, como sempre presos
na parede, mas também presos nos meus ouvidos e até mesmo no meu coração. Na
parede eu os exponho como uma forma de beleza, nos ouvidos embelezam através
das ondas sonoras que invadem e chegam ao meu coração. Com o tempo tentei fazer
do meu próprio jeito, mas nunca fui tão bom nisso, sempre fui apenas um eterno admirador
e viciado por essa arte, nunca um grande executor dela.
Só depois de muito tempo que
comecei a perceber além das histórias e passei a me encantar também por
arranjos, por preenchimentos, por sons que sempre estiveram ali e eu nunca
percebia. Essa nova "visão" da música veio, claro, por causa da
paixão que surgiu pela percussão. AH, A PERCUSSÃO! Foram esses mais barulhentos
que fizeram eu entender melhor como funciona todo o processo de criação, pois
os graúdos de cordas sem àqueles miúdos não são muita coisa.
“Antes dos mouros o som
O som de tudo que passou por lá
O som de tudo que passou aqui
O som que vem quem viver verá”
(Antes dos Mouros – Cordel do
Fogo Encantado)
É através do estudo da percussão
que a gente faz uma regressão e vê que tudo começou com o toque do tambor. AH,
O TAMBOR! O pop, o rock, o blues, o funk, o rap, o forró, todos são filhos da
batida do tambor. E foi através dele que eu voltei aos nossos ancestrais, às
nossas origens.
A gente começa ouvindo as músicas
pop, as bandas de rock e vai começando a gostar disso tudo. Depois vai
amadurecendo e percorrendo os grandes nomes da MPB e vai tendo noção do
processo. Mas é só quando você volta aos cantos e toques dos povos primitivos
que você realmente entende tudo e descobre que a magia toda começa lá.
Aí eu retorno para a citação lá
de cima, só quando me aproprio do meu folclore que passo a me sentir mais
pertencente às culturas primitivas que me formaram, através disso que toco as
músicas com muito mais paixão.
Quem me vê tocando um tambor sabe
do que eu estou falando. Eu realmente saio desse plano físico, eu transcendo e
com certeza consigo fazer uma ligação entre o couro do tambor e alguma coisa
além disso tudo aqui. É tudo muito lindo, encantador, emocionante.
Provavelmente eu entro em
sintonia com Deus quando estou a apreciar o som de todos os instrumentos
juntos, viajando em letras e em histórias contadas e cantadas. E se me
perguntam se eu realmente creio em Deus? Não sei, mas talvez Ele esteja em
pleno desfile de carnaval, em um sábado de chuva, pulsando através do couro de
um tambor que reverbera bem no meio do coração de um batuqueiro. Afinal, Ele
está onde a gente quiser...
Desfile de Carnaval
do Maracatu Solar (Sábado – 22/02/2020)
Foto de Aurélio Alves
(Instagram: @_aurelioalves). Jornal O Povo.