"Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino"...

sábado, 27 de junho de 2020

Libera os gatilhos


Aí eu abro a janela só pra desopilar,
Mas aquilo que eu penso é difícil aceitar.
O mundo onde eu vivo nunca é igual,
Não importa quanto tempo eu viva aqui, afinal.
Vai ser sempre rico comendo pobre, vai ser pobre comendo lixo.
Enquanto um é tratado como lorde, o outro é tratado feito bicho.

Desisto e volto pra sala,
Mas quase sem crer eu ligo a TV.
Tem lixo que pensa que é mito e eu no sufoco nem acredito.
Tem gente morrendo, tem vírus matando.
Tem outro gritando e um apanhando.
Tem um reclamando e outro apoiando.

Desligo a TV e volto à janela,
Só vejo silêncio, um sopro na tela.
Aí eu me lembro da cara dela,
Da mina, menina, moleca, bonita.
Pedindo: “me beije e abrace,
Só quero mesmo que tudo isso passe”.

E eu digo pra ela:
Libera os gatilhos, deixa fluir
E se precisar põe teu corpo em mim.
Encosta em meu ombro,
Descansa direito
E se precisar dorme em meu peito. 

Aí vou pro quarto e me olho no espelho,
Então o que vejo?
Um rosto, um cabelo, uma barba e um desejo.
Esperando que tudo se acabe,
Que o passado volte trazendo lembranças
Do tempo tão bom de quando eu era criança.

O espelho é o mesmo,
Mas eu mudei tanto,
Só queria um colo pra cair no pranto.
Me torno menino como há um tempo atrás,
Imploro que essas dores acabem de vez
Que tragam de volta nossa sensatez.

Aí eu me lembro daquela menina
Tão linda, sapeca, moleca, bonita.
Pedindo: “agora, vem pra perto de mim,
Eu posso ser seu porto, se você permitir.
Esquece esse mundo que não tem mais jeito.
Vem pra cá descansar, aqui em meu peito”.

E ela diz pra mim:
Libera os gatilhos, deixa fluir
E se precisar põe teu corpo em mim.
Encosta em meu ombro,
Descansa direito
E se precisar dorme em meu peito.

(Janderson Oliveira) 

domingo, 14 de junho de 2020

Devaneios²...

Tento fugir, mas não consigo esquecer dos momentos que passei ao lado do meu homem, ou melhor, do meu menino. Já se passaram vários dias e várias noites sem nada de notícias dele. Tento buscar explicação em pensamentos ilógicos e em bebidas amargas que ardem na minha boca, "pensando bobagens, bebendo besteiras", sem ninguém ao lado para conversar, sem novidades para contar, sem datas para comemorar, sem risos para sorrir.
Já faz quase um ano dessa minha agonia. Ele partiu sem me avisar e nem deixou recados. Desde então eu mudei, vivo sozinha e fico me perguntando sobre os porquês desta vida que é tão cruel. Amores, desencontros, desesperos. Fico aflita comigo mesma, sem saber para onde ir.
E quando eu saio, em todos os rostos ele está, mas quando chego à noite nenhum daqueles rostos está comigo. Aquele rosto de menino eu nunca mais vi, aquele jeito atrapalhado nunca mais me fez sorrir. Sem ter com quem falar, sem ter com quem amar, a noite chega e eu fico encharcada com goles de uma bebida que não reconheço o sabor.
Mas a noite é triste, a solidão sempre me persegue. No rádio rola "você se foi, você partiu, você partiu o meu coração" e não consigo não pensar nele nesse exato momento. A minha boca seca pede o seu sabor, deliro em pensamentos sem lógica. O meu corpo frio espera o seu toque, viajo por lugares nunca antes explorados. Quando volto à realidade, percebo que estou sozinha novamente e a dor da sua perda aumenta ainda mais minha agonia.
Meu coração está em pedaços, o meu corpo também, me sinto velha, feia e sem mais vontade de viver. Vivo porque é meu dever, a ideia do suicídio me aflige, mas a esperança de revê-lo é maior. Garrafas pelo chão, fumaça no ar. Meus alimentos são meus pensamentos, minhas lembranças, lembranças dos tempos bons que vivemos juntos. Mas agora você se foi e eu fico a me perguntar: será que pra sempre?
Antes tudo era comédia, agora, com a sua ausência, a tragédia é algo frequente na minha vida. As lágrimas escorrem pelo rosto nesse instante e delírios acontecem na cabeça de uma amante que perdeu o seu amor. Abandonada e arrasada eu sigo a levar a vida, e o pior, ela segue a me levar. O meu desespero só aumenta a cada dia, sigo minha vida sem razão e sem prazer. Os dias passam, as angústias ficam.
Foi um sonho bom que eu não consegui tornar realidade, foi um livro interessante que eu não pude terminar de ler, foi um vento frio que soprou e eu não me deixei levar. Como tudo e todos nesta vida, eu deixei ele passar, mesmo sem ter sido apenas um passatempo para mim. A única coisa que eu quero nessa vida é poder beijá-lo novamente.
Me pego a imaginar como os mesmos acontecimentos podem marcar para sempre a vida de uma pessoa e serem totalmente insignificantes para outra. Quando o excepcional se torna tão banal, perde-se toda a graça. Mas a sua excepcionalidade se foi sem dar notícias, fiquei apenas com minha pobre banalidade. Fiquei na sarjeta, sem sonho, sem paz, sem harmonia, sem fé, sem força, sem ele, com agonia.
Mulheres cultas e sérias como eu não deveriam escrever esse tipo de coisa, desprezando-se, humilhando-se, mas fazer o quê, este é meu carma, minha vassalagem, minha escravidão emocional, ter que estar sempre lembrando alguém que nunca mais voltará.
E para aqueles que não me conhecem e não entendem os meus vãos motivos de choramingar por um homem, muito prazer, meu nome é Sara! Curada no nome, ferida no coração. Uma princesa sem seu príncipe, uma amante sem seu amor...

Por Sara Fernandes

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Vamos de mãos dadas?


Sou um exímio observador dessa gente que ronda por aí nesse momento. Abro a janela e consigo observá-los, que bom que agora eles podem andar de mãos dadas! Eles seguem como antes, cada um com sua função, cada qual com seu lamento, parecem até formiguinhas. Enquanto as operárias constroem, as rainhas vão lá e destroem, pelo visto nada mudou. Seguimos todos na mesma nave que já se decompõe, quem terá coragem de salvá-la? Se os passageiros se unirem e deixarem de se ferir, o resto da viagem será segura e a nave terá sua cura. Tudo aquilo acabou e agora eu estou aqui com um sorriso no rosto e de braços abertos, acreditando que ainda temos chance, pronto para acolher quantos seres humanos eu for capaz de cativar. Fechei a janela, vou lá descer para vê-los mais de perto, vamos de mãos dadas?