Era 12 de novembro, eu me lembro.
O telefone tocou, a avó atendeu, o mais velho chorou, o
caçula não compreendeu. O caçula era eu, em um dia distante, em uma típica casa
brasileira dos anos 90. À tarde, fomos à escola aprender a lição, mas a lição
mais dura foi aquela que ficou no coração. Um padrinho foi buscar na escola os
dois irmãos, passamos na igreja, fizemos uma oração. Chegando em casa, várias
pessoas, não sei por que chorei, só chorei porque vi todos chorando.
Em um outro dia distante, e esse, com certeza, não saberei
precisar qual era, estávamos todos na parte de trás de um carro grande. Na
minha ingênua cabeça era mais uma viagem de férias escolares, estávamos indo
para a cidade de nossa família. Chegando lá, a criança só queria brincar, mas
ao seu redor era só tristeza.
Em frente à casa da família, a igreja, cada hora que
passava, a multidão aumentava, aumentava, aumentava. Até que, do pé do portão,
avistei o carro que trazia o caixão. Perguntaram: “você quer ir lá ver, meu
filho? É seu pai”. Morto. É claro que uma criança de 5 anos não quer ver seu
pai morto nunca.
Fiquei na lembrança com a imagem de quando tinha por volta
de 3 anos, eu na sua cacunda, indo comprar revistinha dos Trapalhões na
banquinha em frente ao mercado onde ele um dia trabalhou. Fiquei na memória com
o dia de chuva, ao lado da lagoa, onde nos protegemos em uma cabana de palha,
jogando futebol com uma chinela que servia de bola improvisada. Fiquei na
lembrança com o dia do churrasco na área da sala, grandes espetos que
perfuravam as carnes gostosas com farinha que ele assou pra mim e pro irmão mais
velho.
Avanço no tempo, 2017. A mesma cidade do interior, a mesma
casa, a mesma igreja. Agora é o pai do pai que estava no caixão. Eu, um homem
feito, já tinha coragem de ir ver. Olhei e só enxerguei o próprio pai, não deu
tempo de nada, a não ser desabar em lágrimas, ter que ser acolhido e sentado
naquela mesma igreja que não entrei quando era criança. O avô era a cara do
pai, o pai era a cara do avô, eu sou a cara de ambos. Eram duas gerações de
pais indo embora. Era um filho que perdia seu pai e seu avô. Era um órfão duas
vezes. E o pior, ninguém nunca ocupou esses vazios.
Não chorei pela morte do avô, naquele instante eu chorava
pela morte do pai que não havia ido velar 24 anos antes. Mas parece que ali
fechava-se um portal, era a cena que eu precisava para deixar o luto para trás.
Como sofreria uma criança de 5 anos? Como sofreu um homem de quase 30?
Mas a ficha ainda não havia caído. Aquela ficha da ligação
de 1993 só foi cair 25 anos depois, em 2018. “Eu, homem feito, tive medo e não
consegui dormir”. Em uma noite solitária, me abracei àquela velha foto, a mesma
foto que está espalhada na casa de diversos parentes. Somente com ela me
acalmei e percebi que a ficha realmente tinha caído. Ao lado, talvez houvesse
um punhal esperando para pôr fim em tantas angústias e lástimas que a vida
havia me pregado até aquele momento. Por sorte, o dia raiou e eu ainda estava
lá deitado ao lado da velha foto, ela me salvou, ele me salvou.
Hoje é 12 de novembro, eu me lembro. Já escrevi muito sobre
isso tudo, já derramei rios de lágrimas sobre isso tudo. Mas venci o medo, o
luto e a ausência. Eu, homem feito, posso dormir em paz, abençoado pelo pai e
pelo avô. O caçula agora espera o filho que um dia chegará...
Um comentário:
Meu amor, você me fez chorar, enquanto eu já chorava cheia de dor. O papai te amou muito e feito estrelinha te proteje e continua te amando. Deusbte abençoe ebte dê forças cada momento que você dele se lembrar. A mamãe te ama, por mais que se sentisse órfão ele sempre esteve e continua bem próximo de você. A mamãe está aqui pra te dar amor e carinho porque você é o meu príncipe. Te amo te amo te amo.
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