"Eu vi o tempo brincando ao redor do caminho daquele menino"...

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Brasis...

Saí do Brasil profundo para o cartão-postal do Brasil. Em uma semana estava em Santana do Cariri, cidadezinha distante de qualquer outro lugar, ubicada na Chapada do Araripe. Na outra semana estava no Rio de Janeiro, uma cidade maravilhosa, imensa, com seus lugares distantes, antiga capital do nosso país.
Em uma semana estava em meio a centenas de romeiros se esbarrando na romaria da Menina Benigna, a santa da cidade, de origem humilde e que hoje já é beata pela igreja católica. Na outra semana, estava me esbarrando em centenas de turistas, buscando o melhor ângulo para a foto aos pés do Cristo Redentor, uma das sete maravilhas do mundo moderno, o maior símbolo da igreja católica.

Romaria da Menina Benigna - Santana do Cariri - 2025
Foto de Letícia Ramalho (@letiramalhofoto)

Estátua do Cristo Redentor - Rio de Janeiro - 2025
Foto de Janderson Oliveira

Em Santana do Cariri se vai em busca de realizar um pedido, de alcançar uma graça perante a beata menina. Para o Rio de Janeiro, se vai somente para tirar uma foto, não há expressões de fé. Em um lugar o puro povo religioso, no outro, o puro turismo espetaculoso. Que contradição de lugares, que contradição de propósitos.
O Brasil do sertão não é o mesmo Brasil do turismo, mas em ambos os lugares o povo é explorado, explorados pelo Estado, pelo crime, pelo massacre. A semana do Rio foi aquela que marcou uma chacina do governo do próprio estado. Centenas de favelados mortos para garantir a ordem de um governador que não sabe atuar. Enquanto em Santana, o povo segue sendo explorado pela fé, acreditando que aquela é a única opção para a salvação de suas almas.
E quem vai proteger esse povo, a menina do vestido vermelho de bolinhas brancas ou o Cristo com seus braços abertos abençoando a cidade? Onde subirei para melhor ver o Brasil verdadeiro, no alto do Pontal da Santa Cruz ou no alto do Morro do Pão de Açúcar? Lá de cima, eu vejo o verde seco do sertão cearense. Lá de cima, eu vejo o verde azulado do mar carioca. De um lado um Brasil onde ainda se vive, do outro, um Brasil que apenas se vende. Que contradição de lugares, que semelhança de ideias...

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Era 12 de novembro...

Era 12 de novembro, eu me lembro.
O telefone tocou, a avó atendeu, o mais velho chorou, o caçula não compreendeu. O caçula era eu, em um dia distante, em uma típica casa brasileira dos anos 90. À tarde, fomos à escola aprender a lição, mas a lição mais dura foi aquela que ficou no coração. Um padrinho foi buscar na escola os dois irmãos, passamos na igreja, fizemos uma oração. Chegando em casa, várias pessoas, não sei por que chorei, só chorei porque vi todos chorando.
Em um outro dia distante, e esse, com certeza, não saberei precisar qual era, estávamos todos na parte de trás de um carro grande. Na minha ingênua cabeça era mais uma viagem de férias escolares, estávamos indo para a cidade de nossa família. Chegando lá, a criança só queria brincar, mas ao seu redor era só tristeza.
Em frente à casa da família, a igreja, cada hora que passava, a multidão aumentava, aumentava, aumentava. Até que, do pé do portão, avistei o carro que trazia o caixão. Perguntaram: “você quer ir lá ver, meu filho? É seu pai”. Morto. É claro que uma criança de 5 anos não quer ver seu pai morto nunca.
Fiquei na lembrança com a imagem de quando tinha por volta de 3 anos, eu na sua cacunda, indo comprar revistinha dos Trapalhões na banquinha em frente ao mercado onde ele um dia trabalhou. Fiquei na memória com o dia de chuva, ao lado da lagoa, onde nos protegemos em uma cabana de palha, jogando futebol com uma chinela que servia de bola improvisada. Fiquei na lembrança com o dia do churrasco na área da sala, grandes espetos que perfuravam as carnes gostosas com farinha que ele assou pra mim e pro irmão mais velho.
Avanço no tempo, 2017. A mesma cidade do interior, a mesma casa, a mesma igreja. Agora é o pai do pai que estava no caixão. Eu, um homem feito, já tinha coragem de ir ver. Olhei e só enxerguei o próprio pai, não deu tempo de nada, a não ser desabar em lágrimas, ter que ser acolhido e sentado naquela mesma igreja que não entrei quando era criança. O avô era a cara do pai, o pai era a cara do avô, eu sou a cara de ambos. Eram duas gerações de pais indo embora. Era um filho que perdia seu pai e seu avô. Era um órfão duas vezes. E o pior, ninguém nunca ocupou esses vazios.
Não chorei pela morte do avô, naquele instante eu chorava pela morte do pai que não havia ido velar 24 anos antes. Mas parece que ali fechava-se um portal, era a cena que eu precisava para deixar o luto para trás. Como sofreria uma criança de 5 anos? Como sofreu um homem de quase 30?
Mas a ficha ainda não havia caído. Aquela ficha da ligação de 1993 só foi cair 25 anos depois, em 2018. “Eu, homem feito, tive medo e não consegui dormir”. Em uma noite solitária, me abracei àquela velha foto, a mesma foto que está espalhada na casa de diversos parentes. Somente com ela me acalmei e percebi que a ficha realmente tinha caído. Ao lado, talvez houvesse um punhal esperando para pôr fim em tantas angústias e lástimas que a vida havia me pregado até aquele momento. Por sorte, o dia raiou e eu ainda estava lá deitado ao lado da velha foto, ela me salvou, ele me salvou.
Hoje é 12 de novembro, eu me lembro. Já escrevi muito sobre isso tudo, já derramei rios de lágrimas sobre isso tudo. Mas venci o medo, o luto e a ausência. Eu, homem feito, posso dormir em paz, abençoado pelo pai e pelo avô. O caçula agora espera o filho que um dia chegará...

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Entre sim, não e talvez

No Brasil
Não, nunca é não
E quem quer ouvir um sim
Ganha no máximo um talvez
 
Talvez tenha dinheiro
Talvez tenha tostão
Talvez não tenha nada
Nem mesmo um pedaço de pão
 
Sim, nós temos bananas
Sim, nós temos o carnaval
Mas não tem o Pierrot
Talvez tenha samba e o escambau
 
Sim, aqui é o país do futuro
Mas já faz setenta anos
Talvez daqui a mais setenta
Alcançaremos nossos planos
 
Não, aqui não tem terremoto
Aqui não tem vulcão
Mas aqui tem muita miséria
Com certeza devido a corrupção
 
Talvez isso um dia melhore
Talvez isso não mais aconteça
Talvez seremos orgulho pra ONU
Talvez um dia o PIB cresça
 
Mas não
Acho que não será dessa vez
E quem sabe um sim
Vai continuar sendo um talvez

(Janderson Oliveira)